Postagem original aqui, em 07.05.2016
A FUGA DO SE RECONHECER
Parecemos não perceber a extraordinária
importância do aprender sobre a nossa pessoa
(não o que os outros disseram, por
maiores que sejam esses especialistas):
o aprender realmente acerca de nós
mesmos.
Não parecemos muito ardentemente
interessados nisso e nos mostramos mais dispostos a aceitar prontamente
"informações" de segunda mão, a respeito de nós mesmos.
Como sabem, há iogues, swamis,
mararishis,
— todo esse bando que anda a percorrer a Índia, este país, a
Europa, a América.*
Em geral somos tão crédulos que estamos
prontos a seguir qualquer um, desde que nos prometa alguma coisa!
Mas, para aprender sobre mim,
torna-se
necessária a total negação do passado,
a negação de tudo o que aprendi a meu
respeito,
porquanto sou um ente vivo, em
movimento, uma coisa que está constantemente a modificar-se, por força das
tensões e pressões da vida diária, da propaganda
— da constante pressão do mundo e da
vida de relação.
Queremos traduzir este ente vivo em
termos do passado, examiná-lo por meio do passado, e por essa razão é que nos
parece difícil aprender acerca de nós mesmos,
isto é, porque temos o padrão do
passado,
o padrão do "correto" e do "errado", do
"bom" e do "mau";
não estou dizendo que não existe
"bom" e "mau",
mas temos essa imagem, firmemente
arraigada no passado, e ela impede a compreensão do presente, do "eu"
vivo.
Apresenta-se, assim, a questão de saber
se não há possibilidade de rejeitarmos a autoridade externa dos sistemas
espirituais, dos livros, dos guias religiosos, dos teólogos, etc.
Tratemos de recusá-la, bem como a
autoridade interna do processo psicológico das experiências acumuladas, do
conhecimento, do saber, a fim de termos uma base para começarmos a aprender.
Isso, com efeito, significa: Pode a
mente
— ao observar tudo isso com muita
simplicidade e clareza, se é uma mente são, e não neurótica, emocional —
pode a mente perguntar então a si
própria se é capaz de enfrentar o medo que vem, inevitavelmente, quando uma
pessoa se vê completamente só?
Porque, quando se rejeita toda
autoridade, tanto externa como interna, e sabendo-se que se está sujeito a
errar, que não existe nenhum guia, nenhum filósofo, nenhum amigo para
mostrar-nos a direção, se estamos aprendendo a respeito de nós mesmos
— esse medo se apresenta inevitavelmente.
Ele nasce, invariavelmente, por causa da
comparação:
alguém alcançou o esclarecimento e eu
não alcancei. Desejo alcançá-lo.
Há também o temor de cometer algum erro,
de perder tempo. E ainda o de ficar sem amparo, completamente só.
Afinal de contas, nós temos de estar sós
— estamos sós. Ao negarmos totalmente a
estrutura psicológica da sociedade —
o que equivale a estar fora da
sociedade, como, psicologicamente, devemos estar
— então, evidentemente, estamos sós.
Mas não se trata, de certo da solidão do
monge, que é isolamento. Tampouco se trata da solidão da pessoa que se
consagrou a uma determinada atividade; nem da solidão da pessoa que ficou
abandonada, que não tem lugar na sociedade.
Quando se repudia, por inteiro, a
estrutura psicológica da sociedade, fica-se inteiramente só e isso, por sua
vez, gera um grande medo. Porque a maioria de nós é o passado e vive com o
passado; quanto mais velho ficamos, tanto mais significativo se torna o
passado; o passado se torna nosso guia.
É necessário rejeitar tudo isso, porque
desejo aprender sobre mim.
E quando o rejeito, existe alguma coisa
para aprender a respeito de mim? Já aprendi; nada mais há que aprender.
Não sei se vocês estão percebendo. Pois,
o que estou aprendendo acerca de mim mesmo?
Desejo conhecer-me, mas percebo que,
para aprender, necessito de estar livre de toda espécie de autoridade, não
apenas verbalmente, porém em cada segundo, em cada minuto do dia.
E noto, assim, em mim próprio, a
inclinação para seguir, porque sinto medo. E percebo a existência, em mim
mesmo, do perigo, do medo de me ver inteiramente só.
E percebo, também, o temor de errar, de
não atingir a meta, de não realizar, não conseguir aquela certa coisa existente
além de todo pensamento e de toda experiência.
E, após esse exame, o que resta para
aprender a respeito de mim?
Já aprendi tudo; já conheço a natureza
total de "mim mesmo". Entretanto, resta essa coisa chamada
"medo".
E, se me permitem, vamos examiná-la.
Porque a mente que se vê presa na rede do medo, em qualquer de suas formas,
conscientes ou inconscientes, tem de necessariamente viver num mundo sombrio e
de ver as coisas deformadas; jamais compreenderá o que significa ser
verdadeiramente livre.
E, porque tememos, criamos, natural e
inevitavelmente, toda uma rede de vias de fuga
— o estádio de futebol, a igreja, o bar,
etc.
Mas há possibilidade de nos libertarmos
do medo?...
Temos a possibilidade de libertar-nos
total e completamente dessa coisa chamada "medo"?
Jiddu Krishnamurti, em "A Essência
da Maturidade".
*Nota do Arqueiro: hoje não se restringe a somente aos sitados por Krishnamurti.
Há muitas das "sumidades instituídas", dos que se intitulam "guias e mestres" por "algum curso" que tenham participado ou por 'orientações/instruções' que recebam, por alguma percepção que tenham tido, espalhados por todos os cantos do planeta, onde, em sua grande maioria ou todos, se recusam ou ignoram a se reconhecer, negando o 'seu estado' e as condições/circunstâncias sob as quais nos encontramos; que dissimulam e compactuam, alguns conscientemente, com a ilusão/'controle'.